Queiroz admite que seu forte não é memória: pouco se lembra da sua infância e esse é um quesito que intriga sua filha atualmente. Mas, de fato, talvez não haveria como se lembrar dessa época, já que saiu da cidade quando tinha apenas dois meses de vida. Quando ele (ainda criança) e sua família se mudaram para Londrina, onde seu pai foi trabalhar em uma fazenda de café. Trabalhador rural, o pai de Ailton cultivava o grão desde o plantio, colheita, limpeza e tratamento do produto, e essa atividade ficou registrada (mesmo que em flashes) na memória do executivo.
Mesmo em um ambiente simples, ele conta que a diversão era garantida. Uma passagem que se lembra com certa avidez eram os passeios de bicicleta pelas estradas da redondeza da fazenda, onde certa vez um caminhão que passava, ao fazer uma curva, acabou o "atropelando": a roda do veículo passou em cima da roda da bicicleta. "Eu me lembro disso acontecendo, mas não me lembro do que aconteceu depois. Se eu consertei a bicicleta ou não". No entanto, ele também guarda memórias que não necessariamente tem imagens na sua cabeça, mas sim pelo que sua mãe conta.
Ele relata como certa vez seu pai sofreu um acidente com um equipamento que a família possuía à base de petróleo. A questão aconteceu na época de geada na região sul do país e o café, por ser sensível a temperaturas baixas, necessitava de cuidados especiais. Para que o plantio não sofresse impacto, Ailton conta que utilizavam o equipamento para garantir uma temperatura adequada, seu pai sofreu um acidente e acabou se queimando. Com graves queimaduras pelo corpo, o acesso a certos tratamentos era escasso naquele tempo, e sua mãe teve de assumir os cuidados com a saúde de seu pai.
"Minha mãe teve muita dificuldade para cuidar dele, não havia tecnologia para tratamento, e o médico ficava longe da fazenda".
Passado um tempo deste episódio, a família de Ailton se mudou para um sítio, onde o, ainda, jovem fez vários amigos e conseguiu seu primeiro emprego (informal) colhendo uvas no sítio da família de um colega. Como seu pai gostava de fazendas, logo foram morar em outra grande propriedade na região de Campo Mourão, onde o terreno ainda precisava ser preparado para plantio. Ailton, que nessa época, já estava com 16 anos, ficou responsável pela direção dos tratores e máquinas que auxiliavam a retirada da chamada capocira: árvores e plantas que são retiradas do terreno para que o plantio de uma cultura se inicie. "Fiquei 2 anos trabalhando com meu pai. Quando a fazenda foi vendida, meu pai trocou o emprego na fazenda, por um na cidade", recorda o executivo.
Na cidade, seu pai iniciou um trabalho dentro da prefeitura, como motorista e nessa época, já finalizando ensino médio, Ailton teve seu primeiro emprego formal em uma empresa de ônibus, na área do almoxarifado. No entanto, logo pediu para que fosse transferido para área contábil e fiscal, onde ele ficou por quase 2 anos adquirindo conhecimento dentro desses afazeres que foram muito válidos para sua carreira no futuro próximo. Assim que finalizou a escola, foi o momento de procurar um curso de graduação, e ele decidiu fazer administração de empresas. Tudo mudou quando uma empresa do setor agrícola anunciou que estava com vagas abertas, e Ailton se interessou pela oportunidade. "Naquela época, as empresas apenas abriam as vagas e depois que você era aprovado que te direcionavam para um setor específico. Foi o que aconteceu comigo".
O executivo conta que participou do processo seletivo, foi chamado e entrou na Coamo, onde, no momento em que a obra é lançada, Ailton já completa 42 anos de atuação. Entrou na empresa justamente na área contábil e fiscal, por conta do seu conhecimento prévio desse setor. Ele se recorda que passou por um acompanhamento de 90 dias com um funcionário já experiente na área que lhe ensinava os afazeres, mas ele, que já tinha uma avidez pela aprendizagem (e experiência) aprendeu rápido, tão rápido que no final dos 90 dias já estava tirando dúvidas dos outros funcionários!
Como já atuava na área contábil, logo no segundo ano do curso da faculdade, teve a iniciativa de mudar para a turma de Ciências Contábeis, alinhando assim, faculdade e trabalho. Nesse meio tempo, ele conta, que atuou na parte de gestão de ativos e avaliação patrimonial, e se lembra como eram feitos os cálculos da "correção monetária" em relação à inflação da época. Em 1983 se formou, e foi nesse ano que aconteceu o seu primeiro contato direto com a parte de tecnologia. "A Coamo tinha um Centro de Processamento de Dados, e estavam precisando aumentar o time de programadores. Por isso, fizeram um convite para 35 funcionários, e eu fui um deles". O convite era para que passassem por etapas do processo de seleção e que, os que chegassem no final do processo, teriam um ano de treinamento para serem escolhidos como programadores.
"A primeira fase foi um teste de lógica, do qual apenas 13 pessoas foram aprovadas. Eu consegui passar, e fui para a entrevista com a psicóloga. Ela me perguntou - você gostaria de trabalhar com computadores? - e eu respondi - sim, o que é isso?", lembra o executivo sorrindo. Apesar de não ter conhecimento a respeito dos computadores, a psicóloga percebeu a vontade que ele possuía de explorar o novo, e essa força de vontade o fez avançar mais uma vez no processo. Sobraram 7 finalistas, e eram 3 vagas disponíveis. Com isso, em 1984, Ailton começou o treinamento em programação e análise de fluxos de processo. Ele se recorda que o treinamento acontecia pós expediente, então ele exercia suas funções da parte contábil até às 18h, e até às 22h aprendia a parte de programação. "Muitas vezes, por conta dessa minha ansiedade em aprender, cheguei a ficar até às 24h na empresa ou em muitos finais de semana", lembra.
Um ano depois, com todo seu esforço e talento, Ailton foi o finalista de uma das vagas e conta que os outros dois colegas que também foram aprovados, seguiram carreira na Coamo assim como ele. "Me apaixonei pela área. E incrível poder criar soluções através de linhas de códigos e melhorar a vida das pessoas". Com o passar do tempo, foram muitos outros desafios que ele teve que enfrentar para adquirir a experiência que possui hoje. Ele se recorda de um projeto que participou e marcou sua carreira pelos aprendizados positivos, e negativos também.
Em março de 1985 foi transferido para a área de tecnologia. Pouco depois, já com vários treinamentos e pequenos projetos, passou a fazer parte da equipe que tinha como desafio "criar um sistema inovador para a época, pois utilizaria uma rede de comunicação que ligava a central a todas as unidades operacionais". O sistema deveria controlar a originação (entrega da produção pelo agricultor), a carteira de produtos, o estoque, a fixação de preço (operação de venda do produtor para cooperativa) e toda parte fiscal. Iniciamos em agosto de 1986, com previsão de implantação em janeiro de 1987. Mesmo com prazo curtíssimo, o sistema foi concluído e colocado em produção no início da safra, com atraso de um mês. Houve pouco tempo para testes integrados.
Com isso, muitos cálculos apresentavam resultados incorretos. A pressão foi grande. Ora o produtor era prejudicado com um desconto a maior, ora a cooperativa era prejudicada com um desconto a menor. Durante um tempo, a equipe tinha uma rotina de ampliar o desenvolvimento, corrigir erros no código, corrigir os dados no banco de dados, eliminando o efeito negativo para ambos, cooperado e Coamo.
Isso tudo já criava uma situação difícil, no entanto, outras adversidades complicaram ainda mais o cenário. "O gerente geral acabou se desentendendo com os diretores, por outros motivos e foi demitido. Nossa equipe era formada por quatro pessoas. O líder da equipe foi promovido para ser o Gerente.
Ele precisava reestruturar as lideranças e promoveu uma pessoa da equipe para coordenar um departamento e outra da equipe para coordenar outro departamento. Com isso, fiquei sozinho na equipe do projeto", conta Ailton.
Durante um tempo, eles ainda ajudavam no projeto em tempo parcial, mas logo suas novas responsabilidades nas novas funções tomavam conta todo seu tempo.
Essa adversidade também trouxe benefícios para a carreira. "Foram dois grandes resultados: o primeiro foi que, num tempo recorde, adquiri conhecimento pleno de todo fluxo dos processos de negócio e uma visão ampla da empresa em seu setor de atuação “, e por outro lado, o segundo aprendizado veio através de um laudo médico. “Acabei sendo diagnosticado com uma úlcera nervosa, e o médico disse que isso era fruto de estresse”. Ailton decidiu, então, refletir sobre aquilo e encontrar uma forma de reverter essa situação. “Decidi adotar uma forma de pensar que não afetasse a pessoa do Ailton, que os problemas do trabalho ficassem ali na mesa do trabalho e não provocassem estresse, afetando a saúde e qualidade de vida. Foi um processo longo e difícil, mas eu consegui”, explica o executivo.
Esse aprendizado sobre como lidar com os problemas do dia a dia foi essencial para o executivo, que anos mais tarde passou para coordenador de um time de desenvolvedores composto por 20 pessoas. Nesse momento, ele explica, que adotou uma forma de liderança baseada em feedbacks para entender como as suas atitudes como líder impactavam os colaboradores do time. "Isso moldou meu jeito de liderar, e estabeleceu um processo de confiança entre líder e liderados".
O jeito único de Ailton o levou longe: em 2011 foi convidado pela diretoria para que se tornasse o líder de TI da Coamo, convite que ele não hesitou em aceitar. "O que foi muito legal também é que eu tive o apoio dos meus pares da época para aceitar o convite, então foi um momento de grandes desafios, aprendizado pessoal e de equipe", se recorda o executivo. Apesar da memória construída através de flashes, como o próprio Ailton brinca, ele guarda consigo boas memórias das suas experiências.
Essa nova etapa, como era de se esperar, trouxe novos desafios e novas exigências. "Modernizar a TI" foi o pedido da diretoria. "Para atender esse pedido, iniciamos uma gestão participativa, envolvendo os líderes da TI na definição da estratégia a ser adotada". O primeiro ciclo, cumprido em 5 anos, envolvia a gestão de riscos, o investimento em novas capacidades de infraestrutura e preparação das pessoas para uma nova estrutura de trabalho.
O segundo ciclo, foi desenvolver uma estratégia de longo prazo. Para isso, em 2019, idealizou o Coamo-2030. Uma provocação para pensar em uma empresa moderna, com a visão de negócio digital, cujo foco é o cooperado/ cliente, partindo da Governança, da mudança do modelo operacional da TI e provocando uma transformação na cultura. Integrando a arquitetura empresarial, arquitetura de negócio, arquitetura de aplicações, arquitetura de dados e arquitetura tecnológica, com total alinhamento com BSC estratégico. “Pessoas, processos e ativos são a base dessa grande e apaixonante jornada” conta o executivo.
Há 42 anos dentro da mesma empresa, e há 37 atuando na área de TI, o amor e a dedicação há longas jornadas fazem parte da vida de Ailton: além da tecnologia, ele pratica tênis desde os 26 anos e tem ele como seu hobby favorito, "claro que agora mais assistindo do que jogando", brinca. Pratica voluntariado, dedicado para associação de funcionários (já foi presidente e ainda participa em diversas funções, como na diretoria e conselhos), "traz muita satisfação em servir a comunidade".
Outra longa história de sucesso que Ailton tem na bagagem, e da qual é muito orgulhoso, é seu casamento, que em 2022 completa 39 anos. Com um adicional de cinco anos de namoro.
Dono de tantas histórias de sucesso, desafios, experiências e lições, Ailton
Queiroz ganha agora uma forma de deixar registrados alguns de seus flashes de memória para aqueles que, um dia, tenham a curiosidade de conhecer um pouco mais sobre a sua história."
- Da obra “Por trás da TI” Os protagonistas da tecnologia no Brasil - 2022. Idealizador Renato Batista, organizadora Maíra Errerias. Realização Netglobe e apoio Logitech -
Uma bonita e edificante história. Parabéns Ailton!
ResponderExcluirUma história impressionante que além de emocionar ensina.
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