Vale a apena ler a coluna deste sábado da professora Maria Joana Calderari, publicada na Gazeta do Centro-Oeste e postada aqui neste BLOG, com o título "Índia está na moda... mas incomoda!"
Novela “Caminhos da Índia”, filme sobre a Índia ganhando o Oscar, reportagens em revistas, jornais, internet, moda indiana nas ruas, danças, comidas, ioga, meditação indiana... De fato a Índia está na moda. Nunca se viu e ouviu tanto sobre este país milenar, ligado às próprias origens do descobrimento do Brasil. Afinal não eram as Índias que os portugueses estavam procurando? Até chamaram os habitantes desta terra de “índios”... E apesar de ser povo de cultura milenar, continuamos a saber muito pouco sobre o povo indiano. E quando temos acesso, apesar de estar na moda, a Índia nos incomoda!
Incomoda a divisão social em castas, apesar de proibida desde 1950, especialmente a exclusão dos sem castas, os impuros, os dalits, os párias chamados pelos ingleses de “intocáveis”, que nasceram da poeira dos pés de Brahma. Mahatma Gandhi deu-lhes o nome de Harijan, "filhos de Deus". Fazem os trabalhos considerados mais desprezíveis, lidar com os mortos, a sujeira... Mas, não se muda três (doze mil de tradição oral?) mil anos de tradição escrita em cinquenta e nove anos.
Incomoda a aceitação servil das diferenças sociais, previstas desde o nascimento de acordo com a ordem cármica, divina para eles e o sistema de castas que garante o equilíbrio entre os puros privilegiados das castas e os dalits. Mudanças só na próxima encarnação, se aceitar servilmente a condição vivida hoje. Muitos iluminados tentaram mudar essa concepção e pregaram a igualdade sem distinção de castas, como Buda, fundador do Budismo, Mahavira, fundador do Jainismo, Gandhi que chegou a criar o Templo da Índia para todos os indianos, independente de religião, casta.
Incomoda ver a submissão das mulheres, que vivem muito longe da igualdade de sexos, descriminadas desde a concepção até a morte, praticamente negociadas por dotes em casamentos arranjados, obedientes servis às suas novas famílias e abandonadas pelas duas famílias em sua viuvez.
Incomoda as suas “vacas sagradas”, duzentos milhões de vacas magricelas, pastando tudo que acham pelas ruas onde ficam vagabundeando como verdadeiras “vacas vira latas” (ou melhor, vira lixo, pois estão por toda parte). Aproveitam delas apenas o leite (pouco) e o estrume que quando seco, vira combustível para o fogo de seus humildes fogões. Num país onde quase metade da população vive abaixo da linha da pobreza(400 milhões de miseráveis) e tem a fome como companheira...
Incomoda aqueles homens magros, acocorados em volta de fogueiras, conversando, mascando folhas de betele que avermelha seus dentes e sua saliva, que cospem no chão por toda parte. E na falta de banheiros, fazem suas necessidades em qualquer lugar. Enquanto isso as mulheres, com seus sáris e enfeites coloridos estão trabalhando por toda parte, nas construções, no campo, nas suas casas, nas fábricas, nos call centers... Para trabalhar não são discriminadas, mas os salários...
Incomoda o caos de suas cidades, o trânsito caótico, a ausência de sinalização e de guardas de trânsito, a multidão de pessoas, animais, riquixás, autoriquixás, pelas ruas, templos, mercados. Já passaram da casa de um bilhão de pessoas!!!
Incomoda a falta de cuidado com o seu rio sagrado, o Ganges, altamente poluído não só pelos dejetos das indústrias, das cidades, dos humanos e animais, os restos das cremações ou pelos corpos que não são cremados e são jogados ao rio com uma pedra amarrada ao mesmo...
Incomoda ver que um país que tinha como filosofia ”Viva e deixe viver” e havia uma convivência pacífica entre as religiões hoje vê crescer a injustiça e a falta de liberdade de religião, com o surgimento de as organizações radicais hindus cuja ideologia da Hindutva (reassumida no slogan "uma nação, um povo, uma cultura") nega o pluralismo tradicional da sociedade indiana e constitui um perigo para todas e os que querem impedir os direitos das minorias.
Incomoda a falta de transparência do governo e a todas as formas de corrupção na administração pública que permite a exploração o trabalho em condições subumanas e os salários aviltantes para produzir, a baixíssimo custo, os produtos que fazem sucesso e estão na moda no Brasil e no mundo... Incomoda saber que contribuímos para essa exploração...
Maria Joana Titton Calderari – graduada Letras UFPR, especialização Filosofia-FECILCAM e Ensino Religioso-PUC- majocalderari@yahoo.com.br
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