Quando eu for, um dia desses,
Poeira ou folha levada
No vento da madrugada,
Serei um pouco do nada
Invisível, delicioso........
Que faz com que o teu ar
Pareça mais um olhar,.....
Suave mistério amoroso,....
Cidade de meu andar....
(Deste já tão longo andar!)
E talvez de meu repouso...
Mário Quintana
A vida é o extremo da morte. O espaço mais longínquo entre um ponto e outro. O extremo é o nada de outrora para o tudo do agora. É o que existia na plenitude para se tornar inexistência completa. O extremo que se forma de início pelo princípio, a afastar-se para ser o definitivo fim.
O doutor Rubens Luiz Sartori foi para o outro lado da vida, extremamente após 59 anos. Tínhamos uma amizade inquebrantável. E amigo não carece de adjetivos, não existe “grande amigo”, “pequeno” ou “médio” amigo. Neste momento de luto vêm à tona as reminiscências abundantes que não estiveram submersas em momento algum.
No extremo do féretro foi colocado o inseparável chapéu que caracterizava Sartori, marca que refletia a tradicional educação e de respeitoso cavalheirismo, ou de luto ao ser tirado da cabeça.
O doutor Rubens era a melhor das nossas representações culturais e humanas, um autêntico manancial de conhecimento.
Desde a iniciação da advocatícia cultuava, não a ciência do Direito, mas sim a Justiça, ideal defendido por ele de modo extremamente indeclinável. Como promotor não foi diferente, primou pelo conhecimento extremo, atento quando o Estado lesava o cidadão ou quando qualquer pessoa violava o interesse público, Sartori era a voz serena, vibrante, responsável, coerente. No fórum, autos, audiências, petições, testemunhas, provas... A movimentação judicante no elevado propósito seguiu para outro extremo, a temporária suspensão por parte dos juízes, advogados, promotores, servidores do judiciário e auxiliares foram tolhidos pela baixa perene de um dos seus mais extraordinários expoentes.
Na agitação natural provocada pelos estudantes e professores, com o som deles espalhado pelos corredores e salas de aula, de tal extremo a outro na FECILCAM, o ápice da mudez foi a reverência à cátedra dele, que também conduziu aquela instituição de ensino superior como diretor, ardoroso defensor da escola pública.
Orador envolvente, líder nato, trilhou com decência o caminho da oposição nos tempos da ditadura militar, era um dos próceres do MDB – Movimento Democrático Brasileiro. No texto desta coluna, no mês passado, dia 28, intitulado Doar-se: Darcy, ao escrever sobre a justa homenagem ao Darcy Deitos quando recebeu o título de cidadão honorário de Campo Mourão, fiz menção ao Sartori, militante mais dos importantes do Partido à época. E o Sartori, atento, gentil e humilde, logo agradeceu pela citação. A política vem desde os tempos da mocidade do então ensino secundário no Colégio Estadual de Campo Mourão, com posicionamento e reflexão, era respeitado pelas suas convicções, e nas recentes décadas mediou muitos debates eleitorais, acompanhou pleitos com conhecimento de causa e isenção. Filiado ao PPS não era preciso convocá-lo, ele se apresentava sempre pronto e capaz para colaborar, tanto partidária como politicamente.
A contribuição literária, lírica nos versos, declamações, as crônicas como evocação humanista compunham outra grande qualidade, somado ao fato de ser possuidor de uma prodigiosa memória e narração arguta, em diálogos encantadores. O compromisso com a tradição e engrandecimento culturais resultou na escolha como o primeiro presidente da Academia Mourãoense de Letras, entidade que tem nele um dos fundadores.
Os meios de comunicação contavam com as mais variadas contribuições para orientar, informar e levar cidadania, Sartori participava deles com esmero, deixando afazeres e convívio familiar para fomentar iniciativas em favor da sociedade.
Ao amigo de mais de trinta anos, escrevo-lhe como quem sempre procurou enaltecê-lo e o quanto me orgulhava em poder conviver, a atenção afetuosa, a palavra amiga, segura vindas de ti. A confraternização dos títulos do nosso time, o Internacional, era a oportunidade para a alegria e para colocar os assuntos em dia. Da tua presença no passamento dos meus pais, lá compareceu para expressar o testemunho e levar conforto, próprio de alguém sensível.
Teu legado será destacado, guia das gerações atuais e as que virão. Será reverenciado em memória e pela paz que preconizou, a paz que o acolhe agora, envolto na serenidade da consciência límpida, no amor e admiração pelo pai (em memória), mãe, esposa, filhos os quais sempre devotou com singular apreço. Amigo, me despeço com os versos do poeta Fernando Pessoa: Eu amo tudo o que foi/Tudo o que já não é/A dor que já não me dói/ (...) /O ontem que a dor deixou/O que deixou alegria/Só porque foi, e voou/E hoje é já outro dia.
Fases de Fazer Frases (I)
Acho-me agora perdido. Me pego solto. Amigos mortos encurtam a minha vida.
Fases de Fazer Frases (II)
Quem corre contra o tempo em geral não estava a favor dele.
Olhos, Vistos do Cotidiano
No último dos seus escritos, Rubens Sartori discorreu sobre a maioridade penal (redução ou não), contemplando no texto toda a sua larga e profícua experiência. Assim que ele aprontou o texto me mandou uma cópia, “Maciel, quero a sua crítica”. Infelizmente o tempo não nos permitiu.
A importância do texto foi dada pelo Ministério Público do Paraná, que irá publicá-lo. Sartori recebeu a notícia em casa, quando buscava recuperar a saúde.
Reminiscências em Preto e Branco
Luiz Sartori era leitor desta Coluna e o dizia publicamente. Uma inegável honra para esteescrevinhador.
José Eugênio Maciel, professor, advogado e sociólogo, membro da Academia Mourãoense de Letras e do Centro de Letras do Paraná.
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