A nova Pesquisa Brasileira de Mídia, lançada há um mês pela Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República, confirma, em números, as impressões que costumamos repetir da boca para fora – o brasileiro ama a televisão (95%), usa cada vez mais a internet (48%), mas acredita mesmo é nos jornais (58%). Em se tratando de consumo de meios de comunicação, impera o movimento, o que torna o debate um passeio no pântano.
A televisão “está” culturalmente para o brasileiro como os jornais estão para os ingleses. País às voltas com a censura desde os seus inícios, de imprensa tardia e escola cronicamente deficitária, a tevê aqui supriu a lacuna da informação escrita com a informação oral. Somos uma gente que aprende “de ouvido” e “com os olhos”. O rádio e, depois, a tevê – tomando aqui emprestados os elogios aos meios esboçados por McLuhan – nos serviram como uma luva. São mais que extensões do nosso corpo. São nossa maneira de nos relacionarmos com o mundo.
Quanto à internet, estava escrito que seria assim – desde o primeiro aparelho de fax, desde o primeiro celular, este objeto que se tornou tão amado por aqui quanto o futebol. Num país de números que tropeçam, os índices de inclusão digital são fantásticos. A rede virou uma exigência do mundo do trabalho e do uso da cidade, cada vez mais às voltas com seus aplicativos, mas, em nosso caso, também um equipamento para exercitar a oralidade hiperativa, urgente, incurável. Caminho sem volta. É importante dizer que precisamos nos acostumar a essa nova ordem, sem pessimismo, achando-nos condenados a ser uma nação tagarela e pouco reflexiva. O estágio em que estamos é o equivalente a todo mundo numa sala, falando ao mesmo tempo, sem muita ponderação. Não vai ser para sempre assim, ou do contrário estaremos fadados aos factoides.
No que diz respeito à credibilidade dos jornais diante dos outros meios – afirmação contínua em pesquisas de mídia –, vale uma ponderação. Esse apreço pelos jornais faz parte da nossa contradição. Reconhecemos os impressos e os associamos à própria ideia de imprensa, em seu sentido mais magnânimo. Mas, na hora de desembolsar e pagar por essa informação crível, excelsa e necessária, a atitude é de desdém. “Eu leio na internet”, costuma dizer o cidadão escapista, tomado de autoengano. E, se acredita nos impressos – ou, melhor dizendo, nas empresas jornalísticas que os produzem, porque hoje o conteúdo dos jornais está nos mais diferentes suportes, do papel ao tablet –, por que não os lê? Uma comparação que seja com as tiragens de uma edição vespertina do Japão (uma das nações mais informatizadas do planeta) coloca o Brasil na lona. A nova classe média da Índia, país que também passa pelo fenômeno dos emergentes, qual nós, entende que ascender é se tornar leitor.
O público que diz acreditar nos jornais não está blefando nem mentindo. Sabe que jornal nasce de informação checada várias vezes, editada, mediada pela comunidade interpretativa. Carrega um peso (que antes vinha do papel e da tinta), portanto é mais segura – em especial na comparação com a falta de hierarquia da notícia que impera em sites nos quais o romper do biquíni de uma ex-BBB numa praia pode estar no alto da página.
Em miúdos, a rede é no Brasil um espaço recreativo e enciclopédico, a nova Barsa da criançada. Precisamos falar sobre isso. O jornal exige prática de leitura mais refinada. Dá trabalho. E pede um público que mereça este nome. Ora, o individualismo, o consumismo, a falta de vida cívica e a baixa participação social outro efeito não têm senão plantar o desinteresse pelo temário dos jornais. Estamos diante de um termômetro: o reconhecimento dos jornais diz algo sobre nós, para bem e para mal. Valorizamos, mas não achamos que seja para nós.
Em tempo, vale lembrar uma fala iluminada da jornalista Renata Lo Prete no documentário O mercado de notícias, do cineasta gaúcho Jorge Furtado. Ela diz que a discussão não pode se resumir à polaridade entre meios impressos e meios digitais. O que se discute é o destino do jornalismo, no que representa para a sociedade democrática. É preciso bom jornalismo na tevê e na rede, com checagem, análise e profundidade, a salvo de todos os imperativos hedonistas do novo homem renascentista, aquele que quer que todos os seus desejos narcísicos sejam satisfeitos pela imprensa. É bom lembrar o que diz o pesquisador americano Paul Starr – não existe nação rica e desenvolvida que não tenha uma grande imprensa, em que suporte seja. E a imprensa só existe se existirem leitores dispostos a dialogar com ela, dando vida ao que está escrito.
Editorial do jornal Gazeta do Povo, domingo, 18 de janeiro 2015.
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