"Quando o homem lá em cima está nervoso e faz chover, só temos de pedir a Ele para parar a chuva no Rio e que a gente possa tocar a vida na cidade" - Luiz Inácio Lula da Silva, presidente da República – O Estado de S. Paulo, 07-04-2010.
Nesta semana, mais uma vez nossa atenção se volta para mais um estado brasileiro, vítima de uma imensa tragédia provocada pelas chuvas torrenciais, inundações, deslizamentos de morros, incontáveis mortes... Durante anos houve a tendência de ver os desastres como o resultado automático das forças da natureza, “culpa de São Pedro”, ”do Homem lá de cima”, como golpes da natureza sobre uma sociedade considerada inocente, neutra, como um “desastre natural” inevitavel, como se fosse um simples ato de Deus, e a consequente desresponsabilização da sociedade.
A partir dos anos 1970, entretanto, os estudos sobre o desenvolvimento derrubaram este paradigma e colocaram no foco a relação entre desenvolvimento (ou subdesenvolvimento) e desastres naturais. Essas tragédias não são simples fenômenos meteorológicos, mas o produto de processos sociais. Ninguém mora em área de risco por gosto, mas por precisão. Não é natural morar em área de risco, nem culpa de Deus. Ao Estado cabe prover terrenos e financiamento para moradias adequadas, impedir a ocupação de encostas, de loteamentos em antigos lixões, a beira de pântanos...
Os desastres atingem a todos, mas, sobretudo aos pobres, os mais vulneráveis, habitantes de assentamentos informais nos corações urbanos, habitações instáveis e precárias, muitas vezes localizados nas zonas mais perigosas das cidades: barrancos, ladeiras empinadas, áreas inundáveis ou próximas a indústrias ou sistemas de transporte nocivos ou perigosos.
A falta de previsão metereológica impede o Estado de antecipar os efeitos de uma tromba d’água, furacão, dos efeitos do desequilíbrio do tempo provocado ação humana... Falhas na infra-estrutura não permitem realizar as ações preventivas necessárias (por exemplo, evacuações massivas) ou responder adequadamente às catástrofes. As deficiências do sistema sanitário multiplicam o risco epidemiológico em momentos de crise.
A relação entre desastres e desenvolvimento é clara e o fracasso de um modelo de desenvolvimento e a omissão criminosa dos órgãos públicos é – mais que as iras de Deus ou a natureza – o verdadeiro responsável pela tragédia, agravada por falhas em coleta de lixo, no planejamento e na manutenção de obras. No Rio, todas as favelas em que houve mortes foram urbanizadas pelo programa Favela-Bairro, considerado modelo pela ONU. A Prefeitura do Rio, porém, reteve parte das verbas, não concluiu a urbanização, não controla a coleta de lixo, não faz manutenção das redes de drenagem.. .
Também o Tribunal de Contas quer saber por que o Rio, apesar de ser tão sujeito a desastres, é o Estado que menos recebeu verbas do orçamento de prevenção de “emergências e desastres”, menos de 1%. Já a Bahia, Estado do ex-ministro Geddel Vieira Lima (PMDB), agora candidato ao governo estadual, figura como a unidade da federação mais bem aquinhoada, mais de 64%.
A tragédia da Cidade Maravilhosa revela outras “tragédias brasileiras”: verbas desviadas, utilizadas atendendo interesses políticos as próximas eleições, politicagem, corrupção, omissão criminosa, descaso com o povo. Revela também a alma humana: Há justos que salvam vidas, dão exemplos de solidariedade, arriscam a vida para salvar feridos, cavam com as próprias mãos...
Há vândalos que querem “levar vantagem” até na tragédia, aproveitam os congestionamentos, as casas abandonadas para assaltos... Há políticos que fazem demagogia eleitoreira, culpam os governos anteriores, a oposição, Deus...
Maria Joana Titton Calderari - membro da Academia Mourãoense de Letras, graduada Letras UFPR, Especialização em Filosofia-FECILCAM e Ensino Religioso-PUC - majocalderari@yahoo.com.br
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