8 de mai. de 2010

ENTREVISTA DE DOMINGO: Jacira Machado


Parabéns mães e voluntárias do Brasil e de todo o mundo. Escolhi uma mulher e uma mãe muito especial.
Batizada Jacira Bueno Machado e conhecida como "Dona Jacira" ou a "Mãe Jacira", esta guerreira, abençoada por Deus, ponta-grossense do distrito de Itaiacoca que foi criado em janeiro de 1909, é um exemplo de dedicação voluntária e amor ao próximo.
Neste final de semana, Dona Jacira, uma pessoa inteligente, discreta, mas preocupadíssima com o bem-estar do próximo. Nesse final de semana especial ela nos brinda com um pouco da sua história e da prática do amor-doação para os filhos, os filhos dos outros, que foram deixados, ficaram por algum tempo ou continuam até hoje no Lar que leva o seu nome, o "Lar da Dona Jacira".
"O que mais faz feliz ao ser humano é a ajuda ao próximo; milagre quem faz é o santo de casa; fico feliz porquê tudo o que fiz com ajuda de muitos nesses mais de 30 anos é fruto da confiança que as pessoas têm no meu trabalho, pois confiança é tudo", são algumas lições desta super-mãe, a mãe do coração que está no coração de muitos e muitos mourãoenses.
Parabéns dona Jacira, como a senhora diz: "Deus provê!". E jamais deixará com seus filhos amados que esta obra estacione, para o bem de todos.

Na sua pessoa, o nosso carinho, respeito e admiração, com a certeza da prática do amor maior e da gratidão a todos aqueles, anônimos ou conhecidos, que ajudaram ou ajudam esta grande causa social.
QUEM É JACIRA BUENO MACHADO? Sou uma pessoa simples e feliz, filha de Manoel e Rita Bueno Machado. Nasci em Itaiacoca, distrito de Ponta Grossa, em 9 de outubro de 1943. Sou uma pessoa comum como as outras que faz tudo o que uma mãe faz para os seus filhos. Acordo cedo, faço café, lavo e passo roupa, faço comida, ando o dia inteiro, cuido dos meus filhos. Vou dormir a uma da manhã depois de dar os remédios e atenção aos meus filhos e acordo as seis horas.
COMO FOI SUA INFÃNCIA? Tranquila, até os 10 anos de idade morei em Itaiacoca, uma comunidade distante 30 km de Ponta Grossa, onde brincava de boneca feita de sabugo, de purunga de abóbora. Lembro muito bem do dia em que a minha irmã Alba ganhou um boneca de porcelana. Foi uma festa só, muita alegria.
Minha bisavó Rita era índia e naquela época, os índios eram donos das terras, mas perderam tudo. Uma vez, os policiais chegaram a cavalo e tocaram as cornetas indicando sua chegada. Os índios correram para o mato, fugiram, e só ficou minha bisavó Rita, que foi levada para a Província em Curitiba. NOTA DO BLOG - A ocupação de Itaiacoca deu-se por uma mestiçagem entre europeus e tupi-guaranis, que ortougou ao elemento local traços e portes físicos diversos: há os de olhos claros (descendentes diretos de europeus), os mulatos (devido a influencia do negro com a mão-de-obra escrava), os cablocos (mistura direta de europeus e índios) e os bugres( remanescentes dos primeiros habitantes da região). Essa população alegre e hospitaleira, cuja convivência familiar e a amizade com os vizinhos traz a tona muitas histórias, contos, causos que são passados de pai para filho.
Fonte: site da Prefeitura Municipal de Ponta Grossa.
Quem conhece Itaiacoca diz que o lugar é um pouco de tudo, onde a natureza e a cultura popular se misturam em uma simplicidade única. Simplicidade como a dona Jacira que faz um mundo muito melhor.

POR QUÊ CAMPO MOURÃO? COMO A FAMÍLIA VEIO PARA AQUI? Meu pai era militar e veio numa Caravana de 13 irmãos, na década de 50, para abrir terras aqui na região de Iretama e Roncador, para plantar feijão, lavouras. Naquela época era tudo mato e uma dificuldade muito grande. Morávamos no mato e tínhamos uma casinha, lembro bem dessa época.
E O QUE ACONTECEU NA HISTÓRIA DE VIDA DO SEU PAI? Ele era militar e a vida de militar não é fácil, meu pai Manoel servia no Rio Grande do Sul. Participou da Revolução e foi até condecorado, mas teve uma época em que ele ficou louco, muito doente, e era costume as famílias não deixarem doentes em casa. Então, meu avô arrumou uma casinha para o meu pai, bem próximo dele. E ali ele ficou, até que minha mãe ficou sabendo que tinha uma Santa (Nossa Senhora do Paredão) em Jaguaríava, -cidade paranaense próximo a divisa com São Paulo- que diziam fazer milagres. Diziam que a Santa aparecia em cima de uma paredão naquela cidade. Minha mãe foi lá com meu pai e ele viu a aparição da Santa e ficou curado. E depois nasceram mais três filhos do casal: eu, a Alba e o João. E como ele tinha muita devoção, todo ano ele ia até lá para agradecer.
E A CHEGADA A CAMPO MOURÃO? Com o falecimento dos meus pais em Roncador, em 1972, eu vim para Campo Mourão com a minha irmã Alba. Fiz um curso de auxiliar de enfermagem e comecei a trabalhar na Policlínica onde fiquei de 1973 a 1982 e de 1991 a 2006. Também trabalhei de 1982 a 1991 no Hospital Bom Jesus. Como sempre gostei de costurar, aqui também costurei bastante e tenho até hoje a minha primeira máquina de costura (foto) e ainda a uso para fazer algumas coisas.
COMO COMEÇOU ESSA DOAÇÃO E O CUIDADO COM OS FILHOS DOS OUTROS? Eu criei sobrinhos e naquela época quando cheguei a Campo Mourão não tinha postos de saúde como tem hoje e vacinas era só para ricos, pediatras então, tinha que contar nos dedos. Então, foi assim: quando as crianças ficavam doentes as mãe vinham e deixavam seus filhos no hospital e voltavam para trabalhar na roça como bóia-fria. E como foram adquirindo confiança em mim, que era enfermeira, pediam: Dona Jacira, dá para a Senhora quando o meu filho ficar bom cuidar dele para mim até eu voltar para buscá-los. E assim foi, as mães eram analfabetas e muitas não sabiam ler as receitas. E tudo começou, teve mãe que veio buscar e teve mãe que não veio buscar seus filhos.
E O INÍCIO DO LAR DA DONA JACIRA? Começou em 1994 quando tinha uma casa na Rua Araruna com 24 crianças. As pessoas não conheciam o meu trabalho e tudo começou a mudar quando um dia recebi a visita da repórter Solange Riuzim, da TV Cultura, que veio fazer uma matéria sobre o nosso trabalho. Daí começamos a receber doações e oferecer coisa melhor para as crianças. Nesta casa atual moro há 8, 9 anos, mas para chegar aqui só foi possível graças a uma campanha iniciada por um grupo de pessoas - Eumara, Ricardina, Ivete, Elói e Marcos Corpa. A Eumara chegou na minha casa e viu que faltava espaço e dizia que eu tinha que procurar uma casa maior. Eu dizia, mas Como? E ela disse, e se a gente fizesse uma campanha? Eu topei e as coisas aconteceram, troquei a casa anterior por esta e depois o Ater - Ater Cristófoli- doou um computador e com o dinheiro da rifa adquiri mais um pedaço do terreno aqui no fundo de casa.
ENTÃO, SANTO DE CASA FAZ MILAGRE? Faz sim, “Santo de fora não faz milagre, mas o de casa, sim”. Cheguei a escrever cartas para o Silvio Santos, o Ratinho, o Gugu, para a irmã do Ayrton Senna, que foi a única que me respondeu. Eu queria somente uma casa para ajudar melhor as minhas crianças, só isso.
E AS DOAÇÕES COMO SÃO FEITAS? O povo de Campo Mourão é muito bom, tenho que agradecer, não tenho como pagar essa dívida de gratidão, esse gesto de amor e carinho para com as nossas crianças. As doações são espontâneas, o trabalho é reconhecido e a comunidade tem confiança no trabalho da gente. Os clubes de serviços, Rotary, Lions, Associação dos Agrônomos e muitos outros ajudam muito. Sou eternamente grata a eles. Tem uma doação, por exemplo, de um senhor que todo mês paga a conta da água e da luz, não quer se identificar, é um gesto abençoado com certeza.
As coisas foram acontecendo, hoje tenho um veículo leve que dá para levar e trazer as crianças, correr atrás das coisas. Como não tinha carro, antes eu levava as crianças no colo, nas costas, e muitas vezes guardava os passes de circular e ia a pé, só para economizar e usar o dinheiro em outras coisas.
Não tenho CNPJ e não recebo doação de órgão nenhum, as doações são de entidades e de pessoas anônimas. E quando uma pessoa deixa de vir e de doar, não quero saber o porquê, é preciso respeitar o próximo. Cada um tem as suas razões para agir desse ou daquele jeito.
Quero agradecer a Deus e a todos pelo apoio e doações enviadas para essas crianças, que não tem culpa da situação, mas precisam ser amadas e felizes..
QUANTAS CRIANÇAS JÁ PASSARAM POR AQUI E QUANTA ESTÃO ATUALMENTE? Não tenho noção e não me preocupo com isso, não faço isso por política ou sensacionalismo, faço porque as crianças precisam. Eles precisam de mãe e eu preciso de filhos. Hoje tenho 13 crianças de quem tenho a guarda, e desses, cinco tem deficiência mental grave – não andam, falam e alguns nem enxergam.
Deus provê, nunca faltou nada, pois se Deus é capaz de alimentar os passarinhos que ficam voando, imagine o que ele não faz pelos seus filhos!
NOTA DO BLOG
1. Conversei com Damaris (foto) que chegou no Lar com 40 dias de vida e em abril completou 19 anos e chama dona Jacira de mãe.
Ela conhece seus pais, os visita, mas ficou e quer ficar com a sua mãe Jacira.
2. Dona Jacira tem um filho adotado e outros quatro também adotados já são casados e já lhe deram netos.
DONA JACIRA, COMO A SENHORA VÊ AS MÃES DE HOJE?
Mãe é aquela que cria e não só aquela que dá à luz, a mãe tem que acompanhar e estar cuidando dos seus filhos, acompanhar as fases da vida deles, a primeira palavra, o primeiro escolado, o primeiro diploma, o primeiro elogio da professora. Hoje tem muita mãe que coloca o seu filho na creche e vai lá para ver como ele é tratado, tem muitas mães que acharam que eram muito pequena diante do marido e foram trabalhar fora. Entraram no mercado de trabalho sem necessidade, daí abandonam seus filhos. E como resultado, muitas colhem o desamor, a distância dos filhos, a ingratidão e a falta de respeito.
Os pais são espelhos para os filhos, mas muitos filhos não conseguem ver nos pais esse exemplo, esse modelo a seguir.

ENTÃO, COMO A SENHORA RESUME ESTE TRABALHO? As crianças que aqui chegam vêm com auto-estima baixa, é preciso dar dignidade a essas crianças, respeito, amor. O que mais faz bem ao ser humano é ajudar ao próximo, não adianta passar pelo mundo se não ajudar ao próximo. Se quiser ser feliz o ser humano tem que ser útil, tendo um passado, fazendo um presente e um futuro feliz. Se tivesse que fazer tudo isso de novo, faria com o maior prazer.
NOTA DO BLOG: Neste trabalho de doação, no Lar da Dona Jacira, ela conta com o apoio e doação 24 horas da sua irmã Alba e de muitos colaboradores. Com as irmãs Alba e Iracema, juntas e unidas por uma grande causa social
E A CAMPO MOURÃO DO PRESENTE? É uma cidade bonita e tranqüila para se viver. Tem problemas de violência sim, mas até hoje não mataram ninguém rezando dentro da Igreja. O dia que isso acontecer, aí sim eu vou começar a ficar com medo.
E A CAMPO MOURÃO DO FUTURO? Espero que seja muito melhor, tudo está melhorando com mais creches, postos de saúde. Espero uma cidade melhor e o povo mais feliz.
NOTA DO BLOG – Esta ENTREVISTA HOMENAGEM é um gesto de valorizar o amor-doação e não teve o objetivo de aprofundar os problemas e as causas, e nem expor as crianças que foram levadas ao Lar e acolhidas por esta grande mãe, dona Jacira. Mas, sim, enaltecer a pessoa e atuação desta cidadã, que avessa aos holofotes e ao sensacionalismo, permitiu esta homenagem. Acima de tudo é uma filha de Deus abençoada que é um exemplo e nos dá diariamente uma grande lição de vida para todos nós. Por meio dessa experiência de amor ao próximo provoca-nos uma reflexão para que como pais e mães, possamos amar cada vez mais nossos filhos e ajudá-los a construir famílias verdadeiras alicerçadas no carinho, respeito, sabedoria, obediência e amor, no amor que Jesus nos deixou. Na foto, dona Jacira com o troféu Tocando de Primeira na homenagem que recebeu na ediçao 773 do programa Tocando de Primeira, na rádio Rural AM, há exatos 100 sábados.

2 comentários: