Tenho abordado aspectos das relações sociais que, mais do que regras de etiquetas, são oportunidades de interagirmos de forma mais saudável com os demais. Isso por si só já é uma promoção a saúde mental, contudo este tema é muito mais profundo e normalmente não recebe a nossa atenção da forma como merece.
Outro dia lendo o jornal folha de São Paulo a matéria escrita por Marion Minerbo, chamou-me a atenção a reflexão que faz sobre o tema quando fala do massacre do Realengo. Após entrar em contato, pedi a autorização para que o mesmo fosse transcrito a coluna que escrevo, o recebi como resposta a autorização.
Precisamos cuidar deles, por Marion Minerbo para a Folha de São Paulo.
Logo depois do massacre do Realengo falou-se em aumentar a segurança nas escolas e em limitar a venda de armas para evitar novas tragédias. Curiosamente, não li nada sobre a necessidade de ampliar a rede de atendimento em saúde mental.
A doença mental é determinada por vários fatores. Para a Psicanálise, um ambiente familiar altamente disfuncional secreta uma carga intensa de violência emocional. Embora possa ser invisível a olho nu, o bullying começa em casa. E quanto mais sutil, mais destrutivo. Tal como a radiação que vaza de usinas nucleares, a carga tóxica afeta a autoestima da criança para sempre. O bullying ostensivo na escola já é conseqüência disto.
Para sobreviver num ambiente enlouquecedor, o psiquismo mobiliza defesas que se manifestam como sintomas. Estes podem e devem ser controlados com medicação. Mas o tratamento da doença mental exige um ambiente que seja, em si mesmo, terapêutico. Se as dificuldades emocionais surgem nas relações com as pessoas, é nas relações com pessoas que podem ser tratadas.
Essa é a proposta do Centro de Atenção Psicossocial. O CAPS oferece aos usuários um espaço de convivência protegido e oficinas terapêuticas, além de medicação e psicoterapia. Ali, partilham seu cotidiano com outros pacientes, oficineiros e uma equipe de jovens psicólogos capacitados a ajudá-los a entender e a dar sentido a seu sofrimento. O tratamento acontece de forma espontânea em meio às atividades, pois o cotidiano é organizado para oferecer tempo, espaço e meios para a expressão dos conflitos.
A humilhação, que é a pior das dores, precisa encontrar um espaço de acolhimento. Isso é fundamental, porque não dá para viver sem um mínimo de amor próprio. Muitas vezes a pessoa só vê duas saídas: suicídio ou homicídio.
A dor psíquica envergonha e cala as pessoas, que se escondem do mundo. Por isso, pode ser invisível para o leigo. Mas ela é evidente para o profissional da saúde mental que convive diariamente com os pacientes. Isso lhe permite detectar e indicar internação nos momentos em que há risco de vida para si ou para outros.
Se estivesse em tratamento numa comunidade terapêutica, Wellington poderia ter encontrado outra saída para o impasse em que se encontrava. Em vez disso caiu na rede de comunidades virtuais, que pôs lenha na fogueira.
Não adianta tapar o sol com a peneira: o massacre do Realengo é sintoma da precariedade de nossa rede de atendimento em saúde mental. Ela tem de estar muito mais presente, visível e acessível. Precisamos cuidar dos Wellingtons que estão por aí, antes que seja tarde.
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