Contar histórias é a palavra-chave
com relação a Gabriel García Márquez, morto na última quinta-feira, 17. O
fabuloso conteúdo das lendas passou a fazer parte do cotidiano do menino
nascido na colombiana cidade de Aracataca. A avó paterna lhe contava histórias
encenadas, o prazer dela se fundia sempre nos olhos ávidos e felizes do
Gabriel, fascinado por ver descortinar acontecimentos ricos em aventuras e, por
mais que fossem bem descritas as situações, ele se encarregava de descortinar
em si mesmo o mundo da imaginação criadora, telúrica.
Ao lhe contar histórias e viver no
mundo narrativo, o caminho apontado pelo destino familiar foi a base e
inspiração para que o escritor desse os primeiros passos e não mais parasse de
escrever, contar histórias. Apesar da morte aos 87 anos, os livros ficam e
estarão à disposição por se constituírem na mais cabal comprovação do talento
literário de um escritor universal, que assim se tornou por engendrar textualmente
a universalidade do romance, da novela, do todo conteúdo apurado, belo,
instigante.
A repercussão da morte dele, mesmo a
considerar os problemas devido à combalida saúde e o avançar dos anos, não
deixou de ter enorme impacto. Convém salientar, com a morte de Gabriel não foi
preciso, em momento algum, que o mundo pudesse, a partir da própria perda, vir
a conhecer a obra e a vida de um célebre escritor. Gabriel em vida se tornou
sucesso, respeitado, admirado em todo mundo, e para nós latino-americanos uma
especial honra, incontido e justo orgulho. Em 1982, ao receber o Prêmio Nobel
da Literatura, a escolha dele já era esperada e mais cedo ou mais tarde seria
mais um reconhecimento da sua importância.
Escrito em 1967, Cem anos de solidão é obra-prima – não
dele apenas – é clássico da literatura mundial, romance vigoroso, rico no
número de personagens e tramas, e desde o lançamento mantém o crescente número
de leitores e os que prazerosamente relêem, espelha a tradução ininterrupta em
todas as línguas, com vendagens sempre crescentes. Os demais romances
compuseram a base da sua obra, o realismo fantástico, “a figura mais importante
neste estilo”, segundo o poeta Ferreira Gullar. O outono do patriarca (1975), O
amor nos tempos do cólera (1981), Crônica
de uma morte anunciada (1982), O
general eu seu labirinto (1989) e Do
amor e outros demônios (1994) são representativos que bem compõem a
capacidade invulgar de contar história, do envolver do tempo vivido, observado,
inventado que ele compunha e a envolver os sempre fascinados leitores.
“Não é verdade que as pessoas param
de perseguir os sonhos porque elas envelhecem, elas envelhecem porque param de
perseguir sonhos”, declarou o grande literato, sintetizando a uma só condição,
a de homem e a do escritor com seus personagens. E, como bom místico, que só
crê no que vê sem necessariamente duvidar do que não viu, afirmou: “Não
acredito em Deus, mas tenho medo dele”.
Fases de Fazer Frases (I)
Quando
nada se espera nela brota a surpresa.
Fases de Fazer Frases (II)
Espero
minha chegada para não ficar só comigo.
Fases de Fazer Frases (III)
Chego
até mim para buscar abrigo no que fui.
Olhos, Vistos do Cotidiano
Um
andarilho me pede um cigarro, “não fumo” e logo ele me responde, “mas como?! Todo
mundo fuma?!” Sigo a caminhada no feriado da última sexta e ele pensa em voz alta, “esta cara um dia já fumou
sim!”
Só faltava eu entrar num bar e
passar a comprar cigarro. Embora não esteja absolutamente pretendendo fumar,
(nunca fumei nem tive vontade), seria só para dar um cigarro quando alguém me
pedisse. Também teria que andar com um litro de pinga.
Reminiscências em Preto e Branco
O som artificial é o que se ouve, pelos ouvidos.
Passam as pessoas, a maioria delas com o fone de ouvido a escutar música como
se estivessem em uma redoma a prova de todos os outros sons. Será que elas
conseguem perceber as gargalhadas das crianças brincando no quintal?
Identificar o canto de um pássaro? E a voz da mãe delas? Quem sabe (?) elas só
reconheçam a voz própria, voz muda ou de repetição do som artificial que
escutam sem perscrutar. José Eugênio Maciel, professor, sociólogo, advogado, escritor, membro da Academia Mourãoense de Letras e do Centro de Letras do Paraná.
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