13 de ago. de 2012

COLUNA DA PROFESSORA Maria Joana: Demoliram a velha casa...


“Quem disse que eu me mudei. Não importa que a tenham demolido: a gente continua morando na velha casa em que nasceu.” Mário Quintana.

A poesia tem um dom de mexer no fundo do nosso eu, de dizer coisas que o coração sente, de consolar nos momentos de melancolia, especialmente em datas como o dia dos pais. As palavras do poeta gaúcho Mário Quintana calam fundo em nossa alma, falam de algo que todos sentimos, daquela saudade da terra natal, daquela vontade de voltar no tempo, de reviver os momentos bons da infância, da adolescência, de reencontrar tantas pessoas que já partiram, NOSSOS PAIS...
Mas o poeta está certo, as coisas mudam, a casa de madeira e pedra que meu pai construiu antes mesmo de eu nascer não existe mais... Viajei até lá pela maravilha da tecnologia que nem sonhávamos existir a 50 anos atrás e vi o buraco no Google. Já não quero voltar a minha terra natal. Não quero ver ao vivo o buraco que ficou no seu lugar, se é que já não foi construído algo novo em seu lugar...
Quero guardar a velha casa em que nasci dentro do meu coração, junto com todas as boas memórias de um tempo que já não existe mais. Quantas brincadeiras abrigaram aquele sótão imenso cheio de histórias guardadas nos objetos que teimavam em continuarem em uso, sempre reciclados para novos usos. E no porão, quantas histórias guardadas naquelas grossas paredes de pedra construídas no jeito dos antigos imigrantes da colônia Isabel no Rio Grande do Sul, vindos do norte da Itália.
Quantas frutas colhidas ainda verdes, direto dos inúmeros pés no imenso quintal que até riozinho, mina d’água, pequena mata tinha depois do muro de taipa. Lá eu recolhia os musgos para forrar o chão do presépio no Natal. Um Natal celebrado sempre com a missa do galo, a meia noite, quando acordávamos de nosso sono infantil ao som das músicas natalinas, no colo aconchegante da mãe. Que saudades!!!
Tudo muda. O rio foi aprisionado em um canal, a mina aterrada, a mata, os pés de fruta cortados para dar lugar a casas, ruas. Será que reaproveitaram as velhas pedras das taipas, do porão? As ruas de calçadas irregulares ganharam asfalto, as festas de igreja já não têm mais a cuca da dona Maria, o churrasco do seu David, as buchadas servidas cedinho, depois da missa das 7 horas, as sopas de anholini feitas pelas nonas, tias... nem as missas do galo não existem mais...
O colo gostoso... agora é o nosso colo de avó que querem aconchegar nossos netos antes que eles cresçam e não queiram mais nosso colo, ou não tenhamos mais forças para carregá-los. Todo mundo é um pouco assim. Somos sempre fruto da nossa história, dos momentos alegres e tristes que marcaram a nossa trajetória, das pessoas que por ela passaram.
O meu lugar ainda aquele lugar gosto das minhas lembranças, da minha saudade: o colo gostoso da minha mãe, o frio do inverno com suas geadas branquinhas, o calor gostoso do fogão a lenha, a polenta brustolada na chapa, o pinhão tostado, o chimarrão, a disputada caixa de lenha ou a porta do forno ou do fogão onde nos aquecíamos nos longos invernos.
As mudanças físicas e espaciais nos levaram por lugares tão diferentes. Morei em muitas casas, conheci muitas pessoas, vivenciei tantas coisas, os cabelos embranqueceram, mas a alma da menina continua viva em mim. A minha cidade ainda é aquela onde nasci, cresci,sonhei, aprendi a viver. E a vontade de voltar no tempo e reviver, mesmo que por instantes, tantas coisas boas vividas. O tempo passa sim, cada vez mais rapidamente e o velho é demolido para dar lugar ao novo, mas a gente continua morando na velha casa onde nasceu...
Maria Joana Titton Calderari – membro da Academia Mourãoense de Letras, graduada Letras UFPR, especialização Filosofia-FECILCAM e Ensino Religioso-PUC- majocalderari@yahoo.com.br

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