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20 de nov. de 2011
DO BLOG ETERNO SIM, de Néia Lambert: Crônica LENDA VIVA!
Esta crônica foi publicada no BLOG DA NÉIA LAMBERT, no www.eternosin.blogspot.com e a autora, escritora que reside em Quinta do Sol propicia a todos os seus leitores, textos de bom gosto e sensibilidade apurada, que pretende incluir no projeto “Orgulhosa Simplicidade”.
"Muitos já sabem que vivo numa modesta cidade, onde na quietude da noite, não se ouve senão o coaxar dos sapos, uma melodia harmoniosa capaz de deixar até um regente de coral impressionado, tamanha é a combinação de “vozes”.
Nunca ouvi dizer que aqui exista o famigerado “homem do saco”, figura usada pelos pais do interior para amedrontar os filhos, impingindo-lhes toda sorte de castigos inclusive serem levados pelo temível personagem. No entanto, contamos com a presença real do “homem do cavalo” que conheci logo nas minhas primeiras semanas por aqui, pois a rua onde moro faz parte do seu trajeto diário, caminho percorrido por ele duas vezes ao dia, com horário rigorosamente marcado.
A sua imagem impressiona logo à primeira vista e ainda não cheguei à conclusão de quem é mais apático: o homem ou o cavalo. Pela morosidade do animal, chego a pensar que seu dono medita enquanto cavalga. Com um chapéu por demais surrado encobrindo parte do rosto, um cigarro palheiro no canto da boca, o tronco curvado para frente, o cavaleiro traz em cada ruga de sua pele queimada as marcas de sua longa vida, creio que octogenária.
Conta-se que chegando à cidade é absolutamente necessário que ele permaneça montado, pois caso contrário seria necessário organizar uma verdadeira força tarefa para colocá-lo de volta à sela. Onde quer que pare é atendido na calçada, sempre com muita paciência, afinal trata-se de uma figura quase lendária e que por certo irá render ainda muitas histórias. É fato que toda cidade do interior conta com personagens singulares, fictícios ou não, pois assunto não pode faltar nas esquinas.
Na farmácia ele é atendido in loco e tem a sua pressão arterial medida em cima do cavalo, não é qualquer um que pode contar com esse atendimento vip. No boteco conta com o serviço de um verdadeiro drive-in, para que apear do pangaré se a cachaça pode ir até ele?
Cada vez que o vejo, de certa forma, invejo-o, queria eu poder jogar a ansiedade fora e andar, assim como ele, no meio da pista como se a rua fosse inteirinha sua. Pressa? Jamais! Mesmo que quisesse o seu “corcel” não mais trotaria, sua idade - que já se confunde com a do seu dono - não permite mais essa habilidade.
Outro dia, num final de tarde, eu o vi voltando da sua segunda ronda diária pelo “vilarejo”, um vento forte varria a poeira da rua e numerosas nuvens obesas denunciavam o aguaceiro que estava por vir, trovões e raios não foram motivos suficientes para alterar seu ritmo. De quando em quando - para meu desespero - puxava as rédeas pegajosas e ficava a contemplar as árvores onde os pássaros, bem mais preocupados que ele, já faziam sua guarida. Certamente sua longevidade é consequência dessa tranquilidade ímpar e por mim modestamente invejada.
Creia, já tive que, pacientemente, estar com meu carro atrás dessas duas figuras, cavalo e cavaleiro por um longo trecho, sequer cogitando em usar a buzina, de nada adiantaria mesmo, dizem que os dois já não andam muito bem dos ouvidos. O mais hilário foi olhar no retrovisor e descobrir que atrás já se formava uma fila parecendo mais um cortejo, ninguém ousava fazer a ultrapassagem, isso seria por demais desrespeitoso e também, convenhamos, perigoso.
Caso você venha para esses lados do Paraná e encontrar pela frente o “homem do cavalo”, certamente sua viagem será um tiquinho retardada, mas em compensação terá a chance de conhecer uma verdadeira lenda viva.
Do site http://eternosim.blogspot.com
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