Tema: «“Não tenhas
medo, que Eu estou contigo” (Is 43, 5). Comunicar esperança e confiança, no nosso tempo» [28 de maio de 2017]
Graças
ao progresso tecnológico, o acesso aos meios de comunicação possibilita a
muitas pessoas ter conhecimento quase instantâneo das notícias e divulgá-las de
forma capilar. Estas notícias podem ser boas ou más, verdadeiras ou falsas. Já
os nossos antigos pais na fé comparavam a mente humana à mó da azenha que,
movida pela água, não se pode parar. Mas o moleiro encarregado da azenha tem
possibilidades de decidir se quer moer, nela, trigo ou joio. A mente do homem
está sempre em ação e não pode parar de «moer» o que recebe, mas cabe a nós
decidir o material que lhe fornecemos (cf. Cassiano o Romano, Carta a Leôncio Igumeno).
Gostaria
que esta mensagem pudesse chegar como um encorajamento a todos aqueles que
diariamente, seja no âmbito profissional seja nas relações pessoais, «moem»
tantas informações para oferecer um pão fragrante e bom a quantos se alimentam
dos frutos da sua comunicação. A todos quero exortar a uma comunicação
construtiva, que, rejeitando os preconceitos contra o outro, promova uma cultura
do encontro por meio da qual se possa aprender a olhar, com convicta confiança,
a realidade.
Creio
que há necessidade de romper o círculo vicioso da angústia e deter a espiral do
medo, resultante do hábito de se fixar a atenção nas «notícias más» (guerras,
terrorismo, escândalos e todo o tipo de falimento nas vicissitudes humanas).
Não se trata, naturalmente, de promover desinformação onde seja ignorado o
drama do sofrimento, nem de cair num otimismo ingénuo que não se deixe tocar
pelo escândalo do mal. Antes, pelo contrário, queria que todos procurássemos
ultrapassar aquele sentimento de mau-humor e resignação que muitas vezes se
apodera de nós, lançando-nos na apatia, gerando medos ou a impressão de não ser
possível pôr limites ao mal. Aliás, num sistema comunicador onde vigora a
lógica de que uma notícia boa não desperta a atenção, e por conseguinte não é
uma notícia, e onde o drama do sofrimento e o mistério do mal facilmente são
elevados a espetáculo, podemos ser tentados a anestesiar a consciência ou cair
no desespero.
Gostaria,
pois, de dar a minha contribuição para a busca dum estilo comunicador aberto e
criativo, que não se prontifique a conceder papel de protagonista ao mal, mas
procure evidenciar as possíveis soluções, inspirando uma abordagem propositiva
e responsável nas pessoas a quem se comunica a notícia. A todos queria convidar
a oferecer aos homens e mulheres do nosso tempo relatos permeados pela lógica
da «boa notícia».
A boa notícia
A
vida do homem não se reduz a uma crónica asséptica de eventos, mas é história,
e uma história à espera de ser contada através da escolha duma chave
interpretativa capaz de selecionar e reunir os dados mais importantes. Em si
mesma, a realidade não tem um significado unívoco. Tudo depende do olhar com
que a enxergamos, dos «óculos» que decidimos pôr para a ver: mudando as lentes,
também a realidade aparece diversa. Então, qual poderia ser o ponto de partida
bom para ler a realidade com os «óculos» certos?
Para
nós, cristãos, os óculos adequados para decifrar a realidade só podem ser os da
boa notícia: partir da Boa Notícia por excelência, ou seja, o «Evangelho de
Jesus Cristo, Filho de Deus» (Mc 1,
1). É com estas palavras que o evangelista Marcos começa a sua narração: com o
anúncio da «boa notícia», que tem a ver com Jesus; mas, mais do que uma
informação sobre Jesus, a boa
notícia é o próprio Jesus. Com efeito, ao ler as páginas do Evangelho, descobre-se
que o título da obra corresponde ao seu conteúdo e, principalmente, que este
conteúdo é a própria pessoa de Jesus.
Esta
boa notícia, que é o próprio Jesus, não se diz boa porque nela não se encontra
sofrimento, mas porque o próprio sofrimento é vivido num quadro mais amplo,
como parte integrante do seu amor ao Pai e à humanidade. Em Cristo, Deus fez-Se
solidário com toda a situação humana, revelando-nos que não estamos sozinhos,
porque temos um Pai que nunca pode esquecer os seus filhos. «Não tenhas medo,
que Eu estou contigo» (Is 43,
5): é a palavra consoladora de um Deus desde sempre envolvido na história do
seu povo. No seu Filho amado, esta promessa de Deus – «Eu estou contigo» –
assume toda a nossa fraqueza, chegando ao ponto de sofrer a nossa morte. N’Ele,
as próprias trevas e a morte tornam-se lugar de comunhão com a Luz e a Vida.
Nasce, assim, uma esperança acessível a todos, precisamente no lugar onde a
vida conhece a amargura do falimento. Trata-se duma esperança que não
dececiona, porque o amor de Deus foi derramado nos nossos corações (cf. Rm 5, 5) e faz germinar a vida nova, como
a planta cresce da semente caída na terra. Visto sob esta luz, qualquer novo
drama que aconteça na história do mundo torna-se cenário possível também duma
boa notícia, uma vez que o amor consegue sempre encontrar o caminho da
proximidade e suscitar corações capazes de se comover, rostos capazes de não se
abater, mãos prontas a construir.
A confiança na semente do Reino
Para
introduzir os seus discípulos e as multidões nesta mentalidade evangélica e
entregar-lhes os «óculos» adequados para se aproximar da lógica do amor que
morre e ressuscita, Jesus recorria às parábolas, nas quais muitas vezes se
compara o Reino de Deus com a semente, cuja força vital irrompe precisamente
quando morre na terra (cf. Mc 4, 1-34). O recurso a imagens e
metáforas para comunicar a força humilde do Reino não é um modo de reduzir a
sua importância e urgência, mas a forma misericordiosa que deixa, ao ouvinte, o
«espaço» de liberdade para a acolher e aplicar também a si mesmo. Além disso, é
o caminho privilegiado para expressar a dignidade imensa do mistério pascal,
deixando que sejam as imagens – mais do que os conceitos – a comunicar a beleza
paradoxal da vida nova em Cristo, onde as hostilidades e a cruz não anulam, mas
realizam a salvação de Deus, onde a fraqueza é mais forte do que qualquer poder
humano, onde o falimento pode ser o prelúdio da maior realização de tudo no
amor. Na verdade, é precisamente assim que amadurece e se entranha a esperança
do Reino de Deus, ou seja, «como um homem que lançou a semente à terra. Quer
esteja a dormir, quer se levante, de noite e de dia, a semente germina e
cresce» (Mc 4, 26-27).
O
Reino de Deus já está no meio de nós, como uma semente escondida a um olhar
superficial e cujo crescimento acontece no silêncio. Mas quem tem olhos,
tornados limpos pelo Espírito Santo, consegue vê-lo germinar e não se deixa
roubar a alegria do Reino por causa do joio sempre presente.
Os horizontes do Espírito
A
esperança fundada na boa notícia que é Jesus faz-nos erguer os olhos e
impele-nos a contemplá-Lo no quadro litúrgico da Festa da Ascensão.
Aparentemente o Senhor afasta-Se de nós, quando na realidade são os horizontes
da esperança que se alargam. Pois em Cristo, que eleva a nossa humanidade até
ao Céu, cada homem e cada mulher consegue ter «plena liberdade para a entrada
no santuário por meio do sangue de Jesus. Ele abriu para nós um caminho novo e
vivo através do véu, isto é, da sua humanidade» (Heb 10, 19-20). Através «da força do
Espírito Santo»,podemos ser «testemunhas»e comunicadores duma humanidade nova,
redimida, «até aos confins da terra»(cf. At 1, 7-8).
A
confiança na semente do Reino de Deus e na lógica da Páscoa não pode deixar de
moldar também o nosso modo de comunicar. Tal confiança que nos torna capazes de
atuar – nas mais variadas formas em que acontece hoje a comunicação – com a
persuasão de que é possível enxergar e iluminar a boa notícia presente na
realidade de cada história e no rosto de cada pessoa.
Quem,
com fé, se deixa guiar pelo Espírito Santo, torna-se capaz de discernir em cada
evento o que acontece entre Deus e a humanidade, reconhecendo como Ele mesmo,
no cenário dramático deste mundo, esteja compondo a trama duma história de
salvação. O fio, com que se tece esta história sagrada, é a esperança, e o seu
tecedor só pode ser o Espírito Consolador. A esperança é a mais humilde das
virtudes, porque permanece escondida nas pregas da vida, mas é semelhante ao
fermento que faz levedar toda a massa. Alimentamo-la lendo sem cessar a Boa
Notícia, aquele Evangelho que foi «reimpresso» em tantas edições nas vidas dos
Santos, homens e mulheres que se tornaram ícones do amor de Deus. Também hoje é
o Espírito que semeia em nós o desejo do Reino, através de muitos «canais»
vivos, através das pessoas que se deixam conduzir pela Boa Notícia no meio do
drama da história, tornando-se como que faróis na escuridão deste mundo, que
iluminam a rota e abrem novas sendas de confiança e esperança.
Vaticano, 24 de janeiro – Memória de São Francisco de Sales – do
ano de 2017. Franciscus
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