Quem se restringe apenas aos noticiários televisivos para se manter informado, pôde facilmente perceber que a notícia sobre a gripe Influenza A (H1N1) parece ter contaminado os programas (com o perdão do trocadilho). Quem sabe a televisão brasileira tenha sido tomada pela febre, anestesiada para outros temas, tão ou mais importantes, que também dizem respeito a uma doença, só que desta feita a doença que mata de maneira indireta: o hábito que nossos representantes têm em legislar em causa própria.
O governo federal enviou ao Congresso Nacional, através do Ministro da Justiça Tarso Genro, uma proposta de reforma política que, assim como foi apresentada, precisaria apenas de maioria simples para ser aprovada e passar a ter validade já nas eleições de 2010.
Entre as diversas ideias, a que mais causa estranheza, polêmica e, espero, repúdio da população, é a proposta de voto em lista fechada para vereadores, deputados estaduais e federais. Através deste mecanismo, os eleitores deixariam de votar no nome do candidato e sim no partido, o que perpetuaria a falta de renovação no Congresso Nacional, nas Assembléias Legislativas e nas Câmaras Municipais de todo país.
Só para ilustrar, hoje utilizamos o voto proporcional, onde, através de uma lista aberta, o eleitor escolhe seu preferido, nominalmente. Tal situação faz com que, ao votar em seu candidato, muitas vezes honestíssimo, a proporção de votos que o partido do mesmo recebe faz com que outros não tão honestos assim também sejam eleitos. Em 2006, apenas 39 deputados federais conseguiram o número suficiente de votos para se eleger. O restante, 474, estão ocupando suas cadeiras no legislativo federal com votos das coligações e sobras eleitorais.
Como diz o ditado, gato escaldado tem medo de água fria. Os congressistas, temerosos dos efeitos dos escândalos ora em circulação na mídia, resolveram dar um jeitinho, através da lista fechada, garantindo assim, sua reeleição. Através dela, o eleitor vota na lista partidária. Se o partido atingiu número suficiente de votos para eleger 30 deputados, por exemplo, os 30 primeiros da lista serão eleitos. É o fim da renovação e a continuidade de nossa política de caciques partidários. Entre outras palavras, a proposta de reforma política enviada pelo Governo Lula ao Congresso cassa o direito do eleitor escolher o candidato que mais atende aos seus anseios e votar nele.
Para contrapor a proposta da lista fechada, há diversas outras ideais apresentadas pelos nossos representantes no Congresso Nacional, como o sistema de distritão, onde cada estado é considerado um distrito e vão para Câmara ou Assembléia os candidatos mais votados numa lista geral, sem levar em conta a filiação; o voto distrital puro (utilizado nos E.U.A e na Inglaterra), quando o país é dividido em distritos eleitorais de acordo com o número de eleitores (200 mil), elegendo-se os candidatos de cada distrito que receberem mais votos.
Por fim, há a proposta semelhante à utilizada na Alemanha, do voto distrital misto, onde o eleitor vota duas vezes, uma no distrito e outra em lista fechada e cada votação preenche metade das cadeiras do congresso ou assembléia, o que, a meu ver, seria o mais indicado à realidade de nosso país.
O voto distrital misto também seria uma possível solução para o que considero um grande mal em nossa política: as coligações para eleição de vereadores, deputados estaduais e federais, que envolvem partidos nanicos que funcionam apenas como legendas de aluguel...Outro benefício dessa proposta é que apenas os partidos que atingirem um percentual mínimo de votação poderiam ter eleitos deputados federal, estadual e distrital.
Há ainda como resultado a transparência na relação entre candidato e seu eleitor, pois o mesmo seria obrigado a mostrar sua cara, dialogar diretamente com o eleitorado, numa benéfica relação de transparência.
Precisamos estar atentos ao que se passa em nosso país, pois caso esta proposta seja aprovada, perdemos uma das únicas armas que ainda temos para combater os abusos cometidos por nossos representantes, o voto direto.
Nery José Thomé é engenheiro agrônomo e jornalista. Ele escreve sua coluna aos sábados no jornal Tribuna do Interior (www.tribunadointerior.com.br) e neste BLOG.
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