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13 de out. de 2011
COLUNA DE JOSÉ EUGÊNIO MACIEL: Transpareceres, Campo Mourão
"[...]... você olha meu rosto se desfazendo do meu aceno a esta cidade,
lance as linhas da correspondência, deixe as distâncias
da quilometragem do carro e esqueça qualquer tamanho
ou medida essas marcas – de quem serão?”
Anita Costa Malufe
Transparecer é o avistar de algo; é mostrar-se em parte; é também revelar-se.
Os 64 anos de emancipação política e administrativa de Campo Mourão transparecem todos os anos, tempos e têmperas.
Nossos campos extensos são verdes, pelas plantações transparecem o outro verde, das matas então densas, inóspitas.
Construções de concreto armado, casas e edifícios transparecem a alvenaria de tijolos de cerâmica das olarias, assim como nas madeiras nobres e nas casas toscas.
Vias longas pavimentadas de intenso tráfego de gente e de automóveis potentes, belos ou simples, humildes, transparecem jeep’s e aero-willys’s, carroças e carroções de bois, montarias e expedições desbravando o chão, linhas e estradas vicinais inicialmente carreadores, estreitas passagens. Poucas e reduzidas vias, ruelas de terra batida, tudo se avistava num curto olhar.
Buzina, sirenes, ronco de máquinas de transportes e fabris transparecem o coaxar dos sapos, canto dos pássaros, mugido do gado, relinchar dos cavalos, cacarejo e canto das aves, todos eles habitantes próximos para não dizer juntos. Sons de assoalhos estralando, balanço dos ventos nas árvores.
Trabalhadores, mulheres e homens de macacões, capacetes, proteção nos olhos e nos ouvidos, acionando máquinas movimentando engrenagens para o fabrico e distribuição de produtos, neles transparecem a enxada, facão, martelo, botas, camisas grossas, a rusticidade e a indômita vontade para conquistar e vencer respectivamente sonhos realizados e desafios então descortinados nas agruras do sertão, onde o perto era sempre tão longe, léguas, meses.
A elegância ou a simplicidade de vestir saias e calças, roupas de marcas, grife, logotipos, transparecem as roupas engomadas, sapatos de couro costurados pelo artesão, chapéus, camisetas e anáguas por debaixo de pesadas roupas.
A água encanada de hoje nela transparece a água fria e límpida das fontes naturais dos primeiros pousos para o descanso, quando se agachava para bebê-la ao som do borbulhar do jorro. Mãos calejadas lavadas e que tiravam o suor a pingar do rosto, gotas arrefecidas pela brisa dos ares e das águas puras.
Das modernas instituições de ensino hoje superiores, instaladas em amplas e modernas instalações, transparecem as carinhosamente chamadas escolinhas muiltiseriadas, uniformes, cartilha e grossos livros, cadernos de caligrafia, educandários de madeira tais como os antigos Marechal Rondon, Estadual e o Cristo Rei.
O majestoso Teatro Municipal, os centros de eventos, locais de reunião e espetáculo a pulsarem a fabulosa cultura dos palcos e de todas as demais expressões, com luzes e cenários a transparecerem as quermesses, a roda de viola e sanfona, o baile na roça a reunir festivamente todas as comunidades.
Nas praças esportivas presentes em todos os cantos da cidade, a prática do desporto a envolver todas as modalidades e idades, transparecem o campo de futebol, a corrida de cavalos nos descampados, atrações domingueiras de famílias inteiras.
Nos sinos dos templos imensos transparecem as capelas no centro de tudo, postas no lugar mais alto, da fé humilde e rica de uma religiosidade a pautar costumes, cruzes para tanger a proximidade do céu, da fé a passar pelas ruelas em procissão, ou no cortejo fúnebre quando os mortos eram todos conhecidos e ainda se não o fossem se tirava o chapéu, baixavam-se as portas do comércio, se fazia silêncio, sinais de respeito e reverência, o luto era trajado pelo preto.
Internet, parafernália de telefones móveis, fixos, emissoras de tevê e rádio, tudo ao alcance, instantâneo, nítido, transparecem o aviso do “boca em boca”, do alto-falante e nos microfones da nossa primeira emissora, a Colméia. Transparecem o menino a correr para chamar à parteira ou avisar que o filho da dona Sebastiana nasceu, “passa bem, graças a Deus!” Das cartas chegadas pelos Correios, dos rádios amadores, tudo era um chiado que dava vida aquele fim de mundo que não era mais o fim de tudo.
Das autoridades governamentais, locais ou de outros níveis, a falar hoje na grande mídia, transparecem os comícios, o aperto de mão em mão, contato direto com o compadre ou o amigo dele, a prosa com a rogação de voto, o santinho entregue, cartaz na parede dos candidatos, nas promessas de outrora hoje apelidadas de compromissos de campanha.
No rosto das crianças de agora, dos adolescentes e jovens, dos maduros e idosos, transparecem nas faces os semblantes de todas as gerações antepassadas sempre presentes pelos empreendedores primeiros passos que permitem o cuidar e o fazer brotar sonhos, esperanças, projetos, desafios, conquistas maiúsculas advindas do labor do campo e da cidade. Do Campo Mourão se edificando no espaço e no tempo, do modo de ser de todo o mourãoense, que antes de abrir os braços, abre o coração, antes de principiar o colher, acolhe pelo sentimento vívido da amizade fraternal pelas ideias, solidária pelas ações, 64 anos.
Fases de Fazer Frases
Quando o olhar não alcançar, o sonho vai alçar.
Olhos, Vistos do Cotidiano
Quantas bandeiras se via, na via de nome Bandeira?
Reminiscências em Preto e Branco
Aonde vai nossa História? Ela passa, mas lá não fica no passado.
José Eugênio Maciel é mourãoense, professor, advogado, sociólogo e membro da Academia Mourãoense de Letras.
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