O colunista da Folha Janio de Freitas escreveu artigo muito oportuno e interessante na edição do dia 04/10, que a republico para sua reflexão.
Corrupção para todos os gostos e todos os repúdios. Logo, é o seu Brasil (só o relembro por desfastio), mas não é a corrupção. O conceito e a prática, e por imitação também o Código Penal, não se satisfizeram com a singularidade, e multiplicaram modalidades, graus, vocações, níveis de tolerância e conivência, de repressão e punição.
A corrupção é muito bem aceita por aqui, só depende de uns quantos pormenores. Ataca-se muito mais o vendedor de CD e DVD piratas ou o policial venal, por exemplo, do que o empreiteiro corrupto e corruptor de setores do Estado.
Do vendedor de CD e DVD, que não está fazendo propriamente corrupção, mas pode corromper fiscais e tiras com gorjetas, dizem as campanhas que desvia R$ 1 bi por ano do comércio legal, ou assim tido. A observar logo: é o jornalismo de mentiras em ação, porque não há como aferir a venda de CD e DVD piratas.
Mas, vá lá, R$ 1 bi. E quanto os empreiteiros corruptos desviam dos cofres públicos? O seu negócio é de centenas de milhões, com frequência são bilhões em uma só empreitada. A soma anual dos negócios de empreiteiras de obras públicas dá um montante oceânico que nunca se viu levantado. Mas não dá manchetes e TV em campanha contra os sistemáticos superfaturamentos, conchavos fraudadores de licitações e corrupção de servidores governamentais.
Como o noticiário não pode simplesmente omitir todas as constatações desses fatos, difundiu-se uma regra com o timbre brasileiro. Nos escândalos do sistema bancário, de outros agentes financeiros, de comércio, citam-se os nomes dos responsáveis pelas empresas envolvidas. Os dos responsáveis pelas grandes empreiteiras, não. Só os nomes das próprias empreiteiras aparecem.
É um sistema de proteção. E não é a moralidade corrompida?
Mesmo que envolva corrupção, o delito do camelô de CD/ DVD pirata e de miudezas contrabandeadas se volta para o bolso do pequeno consumidor, daquele que só pode ter o CD ou DVD desejado e o relógio espalhafatoso se por eles pagar uma fração inexpressiva do preço de loja. A corrupção de obras públicas e de grandes compras governamentais não cobra o mínimo, toma o máximo; e não de um bolso, mas dos cofres públicos, que são dinheiro e bolsos de todos, sem isenção nem para a pobreza. Não é a mesma corrupção em um extremo e em outro.
Nem é a mesma motivação. A corrupção rastaquera, do quebra-galho, tem a ver com elementos socioeconômicos, com o sentimento da difícil ou nenhuma perspectiva de melhora, com a formação pessoal precária, entre outros estímulos. Já a corrupção policial e de postos de responsabilidade no serviço público tem consequências perversas para a sociedade. No nível médio do funcionalismo, até chega a uma forma de bandidagem. Nem por isso deixa de ter relação com as ansiedades causadas pelo desvario da pregação consumista e com a disseminada falta de educação ética, visível até no trânsito.
Já a corrupção graúda é uma categoria especial. Obra da ganância que não se satisfaz nunca, é a imoralidade pura, em estado bruto, é a ordinarice por excelência.
Corrupção para todos os gostos e todos os repúdios. Não é por acaso que até no Instituto Butantã uma simples verificação contábil descobre cobras e lagartos.
Coluna publicada no domingo, 04 de outubro, no jornal Folha de São Paulo.
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