27 de mar. de 2010

COLUNA DO NERY THOMÉ: O Brasil acompanha há quase 2 anos uma novela


O Brasil acompanha há quase dois anos uma novela, só que desta vez a ficção deu lugar à vida real. A morte da menina Isabella, então com cinco anos, atirada do sexto andar do apartamento onde moravam seu pai e sua madrasta transformou-se não apenas num caso de repercussão midiática, como principalmente, numa ocorrência de comoção nacional.

Embora todos os dias morram crianças com histórias parecidas ou diferentes, de maneira tão ou mais violenta que Isabella, nenhuma delas despertou tanto interesse por parte dos meios de comunicação e da sociedade como o caso da menina. Devem existir centenas de pessoas tentando explicar, midiaticamente ou não, quais são os motivos de tanto envolvimento de pessoas das mais variadas idades, classes sociais, formação ou crenças, que comovidas, clamam por justiça e já elegeram seus culpados.

O fato é que o advogado de defesa do casal acusado de assassinar a menina, o pai, Alexandre Nardoni e a madrasta, Anna Carolina Jatobá, tem razão quando afirma que os réus já foram condenados, antecipadamente, pela mídia e pela opinião pública antes mesmo de serem julgados por seus pares.

Não estou aqui querendo defender esta ou aquela posição, mas a verdade é que a mídia utilizou a morte da pequena Isabella como um verdadeiro espetáculo e seus personagens, pessoas reais, acabaram se tornando outras vítimas. A mãe de Isabella, Ana Carolina Oliveira; os avós e familiares maternos; os avós e familiares paternos; e, até mesmo, testemunhas convocadas para o caso. A necessidade de transformar tudo em notícia não pode deixar de lado nem um simples almoço, pois o coincidente fato de que a equipe de defesa do casal e os familiares da vítima almoçassem em um mesmo restaurante transformou a situação corriqueira e cotidiana em mais uma forma de garantir a audiência.

Assistir centenas de pessoas postadas frente ao fórum onde está ocorrendo o julgamento também merece um estudo mais aprofundado de psicólogos, sociólogos ou estudantes dos efeitos midiáticos na população. São pessoas com diferentes objetivos, alguns chorosos, outros revoltados, mas todos com um único objetivo: estar presente para verificar se a justiça será feita ou não.

Nessas horas, eu me pergunto se os crimes de colarinho branco, ou seja, de corrupção, de atos lesivos aos cofres públicos e consequentemente aos nossos bolsos, teriam tanta repercussão se os chamados réus também fossem julgados através do Tribunal do Júri, - quando um conselho de sentença é formado por pessoas comuns, escolhidas entre voluntários sorteados aleatoriamente (que no Brasil só ocorre quando há crimes dolosos contra a vida).

A corrupção e os crimes cometidos contra crianças em nosso país são, infelizmente, bastante comuns em nossos meios de comunicação. Exceto o impeachment de Fernando Collor de Mello, talvez nenhum outro caso que envolva figuras da vida política nacional irá comover a sociedade como o assassinato de Isabella está no momento envolvendo a atenção, as emoções e o interesse de tantos.

Em breve teremos um desfecho para o caso da menina Isabella, pelo menos até que se esgotem todas as possibilidades de recurso para os acusados, mas a dor, o amargor da perda, o desespero, tais sentimentos não terão fim com a exibição dos últimos capítulos da novela que temos presenciado nos dois últimos anos. Os personagens continuarão tentando levar suas vidas, um dia de cada vez, convivendo com uma dor que nunca terá fim, embora a história talvez dedique a eles apenas poucas linhas e algumas lembranças esporádicas que o tempo traz consigo.

Esperamos, portanto, que a novela do caso Isabella não tenha direito a um Vale a Pena Ver de Novo, para que as vítimas dessa história triste, mas real, possam finalmente chorar sua perda, longe dos holofotes da mídia.

Nery Thomé é engenheiro agrônomo em Campo Mourão e presidente da Associaçao dos Jornais Diários do Interior do Brasil

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